A Profissional
Foram muitas situações e escolhas que me levaram a seguir o caminho, de estudar medicina e de ter um olhar diferenciando para a importância da saúde mental em nossas vidas. Ser médica nunca foi um sonho, não era nem uma possiblidade, cresci praticamente dentro do mundo do Direito, o mais natural seria ter seguido essa área. O plano era ser Juíza.
Mas, não foi bem assim que aconteceu. No último ano do ensino médio, uma psicóloga, arrisco dizer, a primeira pessoa que me fez pensar sobre o que eu queria da minha vida, me fez repensar e mudar os meus planos. A missão dela, naquele momento, era mostrar as inúmeras opções de carreira, como deveríamos escolher, e o mais importante: se nossas escolhas eram nossas ou de outras pessoas (nossos pais por exemplo). Levei aquilo para casa e fiquei pensando alguns dias, nunca gostei de Direito, não me via nesta área, percebi que não estava seguindo uma escolha minha. Decidi que não tentaria mais o curso de Direito, mas o que faria?
Li inúmeros textos, conversei com várias pessoas, e todos os cursos pareciam atraentes, até que um dia uma amiga me falou: pode tentar qualquer coisa, você passa, só não faça medicina porque você não estuda o suficiente. Guardei aquela informação no bolso, e era mais uma ferramenta, pensei como não estudo o suficiente? Tinha boas notas, era bem colocada no ranking do colégio… Pronto, consegui um objetivo: Passar em Medicina (Gratidão Luma!).
Com o desafio em mente estudei e passei na Universidade Federal de Pelotas, deveria ficar feliz com essa conquista afinal era um objetivo alcançado. No entanto, mudar para muito longe de casa, sem suporte familiar, e com poucas habilidades sociais, foi muito difícil. Acredito que esse foi o meu primeiro episódio depressivo.
Nessa época lembro que tinha poucos cuidados com a vaidade, não estava focada em estudar, pensava apenas em assistir televisão, tomar Coca-Cola, comer chocolate e dormir. Lembro até hoje o gosto desse refrigerante, quase congelado que comprava ao lado da pensão onde morava. Engordei uns 10 kg nessa época. Não lembro quanto tempo durou, pelo menos um semestre, lembro que chorava todos os dias querendo voltar, arrependida da minha escolha.
O tempo passou, as coisas começaram a melhorar, mudei para um apartamento, ter um local com privacidade ajudou muito, aos poucos fui me adaptando. Minha faculdade era muito preocupada com a relação médico-paciente, tinhamos muitas matérias voltadas para psicologia e para autoconhecimento, ao menos foi como aproveitei elas. Esse encontro me fez gostar da faculdade. Essas disciplinas eram minha fuga de todo o resto, não lembro de gostar de outras matérias. Com isso em mente decidi começar a estagiar em um hospital psiquiátrico, estágio extracurricular. Hospital Espírita de Pelotas, lá aprendi muito, sobre a vida, pessoas e pacientes. Estava decidida a terminar a faculdade e fazer residência em psiquiatria.
Outro episódio que vale a pena destacar nesse período, e que foi determinante para essa escolha ocorreu próximo ao final da faculdade. Sempre tive taquicardias, palpitações sustentadas por horas. Procurei alguns médicos ao longo da vida, sempre quando estava em consulta o coração batia normalmente, e era liberada para casa. Um dia cheguei a ouvir de um Cardiologista, que eu estava apaixonada, e essas coisas aconteciam. Aprendi a conviver com esses sintomas, evitava exercícios físicos e bebidas energéticas, que pioravam a sensação e quando começava sabia que precisava ficar em repouso e esperar passar.
Até que um dia, lembro que precisava apresentar um trabalho oral, e de pensar em apresentar o coração começava a acelerar. Nesta ocasião perguntei para um estudante mais antigo do curso se poderia tomar alguma medicação, ele me falou que sim, mas antes seria melhor fazer um eletrocardiograma. Desci no ambulatório e pedi para fazer.
Em resumo, depois de colocar os eletrodos, juntaram-se uns 4 professores na sala para avaliar a tela, a enfermeira chamou um, que chamou outro, e eu lá sem saber o que estava acontecendo, fiquei alguns dias com as marcas de sucção de fixação do aparelho... e saí de lá encaminhada para um Cardiologista. Eu tinha uma patologia cardiaca que provavelmente piorava devido a Ansiedade. Fui tratada com ablação (queimaram o lugar que batia errado) e nunca mais tive taquicardias sustentadas. O tratamento melhorou muito minha qualidade de vida, me permitiu ter mais controle de mim.
No último ano tive meu segundo episódio depressivo, bem mais intenso que o primeiro, precisei procurar ajuda, não dormia, não comia, não tinha vontade de fazer nada, queria novamente largar a faculdade. Com tratamento adequado e suporte familiar consegui terminar, e decidi voltar para minha cidade natal, morar perto dos meus pais. Trabalhar e ter salário, mudou minha vida, a sensação de independencia junto ao fator de me sentir útil foi determinante na recuperação, claro na época associado a medicação e psicoterapia.
Demorei uns 3 anos para me sentir médica, até então não sabia direito o que estava fazendo ali, fazia o meu trabalho, tinha evidências de que era um bom trabalho mas ainda não me sentia capaz. Todo dia era uma luta. Minha dedicação e determinação permitiram ótimos resultados, mas meu senso crítico demorou para aceitá-los. Trabalhei em Programa de Saúde da família, SAMU (ainda trabalho), Pronto Socorro e como perita judicial. Mas precisava de algo a mais.
Desde que me formei pacientes psiquiátricos eram naturalmente triados para mim, poderia ser pela minha habilidade para lidar com eles, ou por simples coincidência, mas fato é que sempre atendi muitos, com diferentes demandas desde o início da minha carreira como médica. Aprendi psiquiatria com eles, atendendo, ouvindo. Certo dia um colega psiquiatra, que atendia uma vez por mês na cidade em que eu trabalhava, com quem eu sempre tirava minhas dúvidas sobre condutas e discutia casos de pacientes, sugeriu que fizesse uma pós-graduação em psiquiatria (Gratidão Renato!). Disse para aproveitar minha experiência prática e o tempo livre para estudar. Indicou o local onde cursou, instituição reconhecida pelo Mec, com atividades práticas e teóricas, achei interessante a indicação. Decidi encarar esse desafio, mesmo que isso fosse contra meus pensamentos inflexíveis que acreditava que apenas a Residência era uma formação possível.
A vida me trouxe muitas surpresas boas, na pós conheci pessoas sensacionais e inspiradoras. Mudei minha visão sobre formação médica.
Logo após o início da especialização, passei em um concurso como Médica Auditora em um município com CAPS I, tive oportunidade de começar atender lá. No inicio comecei com poucos atendimentos, já havia um colega psiquiatra no local, mas menos de 1 ano depois ele saiu e eu fiquei sozinha. Outro momento de aprendizado, médica responsável pelo CAPS, sou muito grata pela oportunidade, foram anos de muito aprendizado.
Após o término da especialização também apareceram muitas oportunidades de trabalho, a mais importante sem dúvida foi o convite do meu médico psiquiatra para atender com ele, ele acreditou em mim, motivou meu crescimento pessoal e profissional, esse site foi um desafio dado por ele (Gratidão Ricardo!).
Hoje possuo Título de Especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria e atendo em tempo integral na Clínica Psicq.
Desde que aceitei essa missão cuidar da saúde mental dos outros, finalmente consegui me encontrar. Foram muitas pessoas que me ajudaram a chegar até aqui, não há como citar todos os nomes, mas sou muito grata aos amigos, familiares, colegas e todos os que passaram pela minha vida e de alguma forma contribuiram e contribuem para o meu crescimento.
O mundo e a vida me ensinam todos os dias.
Sou muito grata por tudo o que já conquistei.
Sou grata pelos momentos ruins que me serviram de lição.
Sou grata pelas pessoas maravilhosas que convivem comigo.
Grata por poder aprender com tudo e com todos!
A idéia, do site, é conseguir melhorar a qualidade de vida de outras pessoas, como eu consegui melhorar a minha, com conhecimento e respeito. Espero que gostem.